A Humanização da Avaliação Neuropsicológica

A Avaliação Neuropsicológica de uma criança é sempre um momento de grande expectativa para as famílias, e na maioria das vezes, para a própria criança. Em muitos momentos, a busca dos pais é por um diagnóstico ou por alguma resposta sobre o comportamento ou desempenho do filho que o torna diferente de outras crianças. Como é difícil o momento em que se percebe que o filho é diferente! Somente quem já passou por isso pode entender a dimensão de um pai ou uma mãe quando, aos poucos, percebem, escutam, recusam (sim, recusam mesmo! E faz parte!) e finalmente, aceitam que eles e a criança precisam de ajuda. Não é dos momentos mais agradáveis da criação dos filhos. E justamente por isso, cabe à nós, profissionais, diante desse cenário, sermos os mais afetivos possíveis e acolhermos essa busca de acordo com as dúvidas e as dores individuais. É isso: a Avaliação Neuropsicológica também precisa ser discutida do ponto de vista da Humanização da Saúde, e aqui, da Saúde Mental. E por que não falarmos em Saúde Socioemocional?

Antes de chegar até o consultório, as famílias já fizeram inúmeras pesquisas no “Dr. Google”, e dependendo do contexto, estão muito fragilizadas. É muito frequente os responsáveis chegarem para a entrevista inicial com uma lista de sintomas organizadas, mesmo que implicitamente. Os “não ditos” dos contatos iniciais com os pais dizem muito mais do que seus relatos: certa vez, uma mãe me dizia que “meu filho não me olha nos olhos, e não responde quando chamamos o seu nome. Mas ele não costuma empilhar ou enfileirar coisas, e gosta de abraços”. Por mais que ela nunca tenha me dito “eu acho que meu filho é autista”, isso era claro na sua fala. A angústia dessa família é colocada no nosso colo e ela vai nos contando a sua dor de forma indireta, bagunçada, amedrontada… exatamente como está o coração naquele momento. Da para imaginar que uma recepção dessa não seja humanizada? Infelizmente, muitas vezes, não é.

Por mais que os profissionais encarem esse momento como “mais um cliente” ou “um paciente novo”, aquela família encara esse como “o momento que pode mudar as nossas vidas para sempre”. Dimensões muito diferentes, não é mesmo? E essa diferença não pode se tornar um abismo que desconecte definitivamente a ansiedade da resposta da família com a intencionalidade do terapeuta em alcançá-la. Na medida em que um profissional se responsabiliza por uma Avaliação Neuropsicológica, para além de um contrato de prestação de serviços, ele firma um compromisso afetivo de trazer respostas às aflições dessas famílias. Eles precisam de ajuda!  E naquele momento, a busca de respostas e conforto está 100% concentrada na atuação do profissional que fará a Avaliação.

É importante entender que a Humanização da Avaliação Neuropsicológica é também manifesta por outros fatores, como por exemplo um protocolo flexível, que considere as buscas individuais e perfis de cada família e paciente, possibilitando a escolha personalizada dos testes e ferramentas. Ou então a flexibilidade de agenda e carga horária, pois naquele dia, a criança pode ter dormido mal e necessitar de uma sessão um pouco menor, ou então ter brigado com o melhor amigo, ou presenciado uma briga entre os pais, ou ter visto pela primeira vez um morador de rua com fome, e isso fará com que ela não entregue o melhor de si para os testes e atividades propostas. Pode ser que seja feriado no dia da sessão dela, mas para aquela família, estender por mais uma semana essa expectativa seja desesperador. Vale pensar que a quantidade de atendimentos, a necessidade de visitar a escola ou a equipe que atende a criança e até escutar outros cuidadores como a babá, professor de natação, avó, vizinha… pode trazer dados que uma entrevista de 45 minutos ou um formulário de 10 páginas que os pais são convidados a responder em casa jamais podem trazer.

Ah… as anamneses. Mereciam um texto só pra elas… Se existe um momento da Avaliação Neuropsicológica que precisa ser infinitamente mais humanizado, é sem dúvida, o da Anamnese. Lembram daquela dor que citei antes? Aquela angústia? Os pais precisam ser ouvidos, eles querem falar sobre seus filhos (aliás, convenhamos, nada é mais legal no mundo do que falar sobre os nossos filhos!). Permita esse momento. Dedique uma escuta livre, atenta, honesta… afetiva! E faça o mesmo na devolutiva. Nunca se esqueça que esse é o momento mais esperado, e que para doer menos, pois muitas vezes as respostas não são as que os pais gostariam de receber, precisa ser humanizado! Somente assim o resultado da Avaliação Neuropsicológica pode orientar essa família e ser utilizada em benefício do seu paciente. Lembre-se que você pode ser o mensageiro de algo que aquelas pessoas se recusaram muito a enxergar ou aceitar (porque realmente, não é fácil!), e se essa mensagem for passada de forma humanizada, todos os passos a seguir podem ser mais leves e mais otimistas.

27 comentários em “A Humanização da Avaliação Neuropsicológica”

    1. Maria da Conceição Dias

      Domi, adorei seu texto. Vc conseguiu falar td que penso e busco fazer com a avaliação neuropsicológica. Obrigada por traduzir em palavras meus sentimentos e desejos.

      1. Domitila Miranda

        Obrigada Conceição. Muito feliz em dar voz aos seus pensamentos e em saber que esta nossa luta pela Humanização da Neuropsicologia não é solitária. Um beijo.

  1. Maravilhosa abordagem Domi parabéns… é fato que esta humanização faz toda a diferença no acolhimento a família desde o contato telefônico já estabelecendo o vínculo, a confiança e o respeito pelo trabalho qye será desenvolvido… isto só nos engrandece profissionalmente!!!!!

    1. Obrigada Ka. Com certeza as famílias são muito beneficiadas por este acolhimento e consequentemente a avaliação se torna um momento mais tranquilo. Obrigada pelo seu carinho. bj.

    2. Texto lindo e sensível. Concordo o momento da avaliação é muito delicado.
      Alguns pais chegam sem saber o que é a avaliação e quais possíveis respostas, diversas perguntas e algumas fantasias.

  2. Barbara Martins Scheidemantel

    Muito pertinente o texto. Sou formada desde 2007 e já na faculdade discutia-se e muito, o parâmetro ético das avaliações psicológicas.
    Hoje fico bastante desconfortável r por vezes até preocupada com a falta de critério de alguns profissionais e realmente me espanto quando ouço sobre resultados de diagnósticos aqui e ali… sempre paro e penso? Será que toda a contextualização necessária realmente foi realizada?
    Acredito que muitas falhas nos processos avaliativos e nas psicoterapias estão relacionadas à falta de critérios de supervisão clínica, autoconhecimento qualificação por parte do profissional.
    A ética no seu sentido maia profundo e complexo, deve ser praticada pelo psicólogo diária e naturalmente, afinal, somos profissionais do cuidado e qualquer detalhe mal articulado no processo, pode promover danos emocionais duradouros e ou irreversíveis.

    1. Obrigada pelo seu comentário e participação Barbara. Seria cômico se não trágico pensarmos que existe hoje a necessidade em se falar na Humanização de uma área exercida quase que 100% por psicólogos. Por outro lado, muito gratificante dar voz à essa busca e saber que não estou sozinha =)

      1. Barbara Martins Scheidemantel

        Também havia pensado no cômico trágico para o inicio do comentário rsrsrs e esqueci de comentar a infeliz “contradição” na necessidade de humanizar atividades feitos pela classe de psicólogos.
        Atualmente não atuo com avaliação psicológica, mas pretendo entrar na área. Estou em busca de uma especialização, você indica alguma aqui em Santa Catarina?
        Obrigada!!

        1. Domitila Miranda

          Poxa, infelizmente não conheço nada em Santa Catarina. Mas se encontrar algo e quiser ajuda para pensar, conte comigo. Me chame aqui no WhatsApp do Instituto, nesse botão verdinho aqui ao lado. Boa sorte =)

  3. Texto maravilhoso, encantada. Estou na pós em neuropsicologia e discutimos muito sobre o acolhimento familiar, sobre laudos que vemos de 3 páginas que dá medo, rotulando a criança, mínimo de anamnese, resumo do resumo dos testes aplicados, infelizmente o foco foi realmente rotular e não de um bom diagnóstico.

    1. Domitila Miranda

      Oi Evelin, infelizmente esse tipo de “mau trabalho” existe em qualquer área, mas é gratificante saber que você e seus colegas estão sendo formados para uma atuação mais comprometida. Bem vinda ao time =)

  4. Excelente Domi, também vejo essa necessidade de humanizarmos a avaliação, de ela ir para além de um diagnóstico, ela deve ser escuta, esclarimento e principalmente acolhimento para toda a família.

  5. Domi!!! Que esclarecedor, que afetivo!!!
    parabéns mais uma vez!
    compartilharei !
    Obrigada por compartilhar conosco!
    abraço saudoso e agradecido

  6. Eliene Martiniano Nogueira

    DOMI!
    Incrível esse texto, você traduz com muita clareza tudo que penso e consigo fazer com meus pacientes e familiares.
    Gratidão por ter traduzido com palavras sentimentos e atitudes da maioria dos profissionais Neuropsicólogos.
    Parabéns!

    1. Domitila Miranda

      Olá Eliene. Maravilhoso saber que não estamos sozinhas nessa busca, não é mesmo? Nossos pacientes são muito beneficiados. Obrigada pela sua participação =)

  7. Andréia Quadros

    Excelente reflexão para que não deixemos a rotina atribulada e corrida do dia a dia interferir traduzindo-se em automatismos nas nossas ações profissionais. Que possamos sempre enxergar um ser humano, atrás de cada cliente, atrás de cada paciente seja criança, adulto ou idoso. Cada um tem suas particularidades que merecem a nossa atenção. Testes vêm todos com manuais, bastaria lê-los e aplicá-los, mas o diferencial, cada vez mais significativo é a qualidade das relações que estabelecemos.

    1. Domitila Miranda

      Com certeza Andréia. Termos que lembrar sempre que aquelas pessoas estão em sofrimento ou em situação de dificuldade, e precisam do nosso apoio. Sem afeto, nada feito! Obrigada pela sua participação =)

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